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A Caixa Leslie


A Caixa Mágica Leslie

A grande Parceira do Hammond B3

por Daniel Latorre www.daniel-latorre.com
Uma grande responsável pelo sucesso do Hammond B3 é sem dúvida a Leslie.
Esta caixa de som mudou os padrões de amplificação e conseguiu inovar no setor da indústria de instrumentos musicais onde pouco se podia fazer com um amplificador ligado em alto-falantes além de mudar o design em sua estética.
A grande diferença desta caixa para as demais é a capacidade de girar os alto-falantes produzindo efeitos que até hoje a tecnologia não conseguiu duplicar com perfeição através de simulações eletrônicas.
Parceiros Inseparáveis

O órgão Hammond inicialmente foi inventado e fabricado para usar um sistema de amplificação comum, porém com alta definição e boa potência. Mas desde o aparecimento da caixa Leslie tornaram-se parceiros inseparáveis! Pode-se afirmar que o som que conhecemos do B3, principalmente na música popular como Jazz, Blues, Gospel e Rock, deve-se grande parte à Leslie.
O “setup” “clássico” de instrumento e caixa de som é o Hammond modelo B3 e a Leslie modelo 122. Porém a fábrica da Leslie também desenvolveu vários modelos diferentes para marcas e modelos de órgãos como Wurlitzer e Baldwin. E curiosamente a Leslie só foi fabricada pela Hammond 40 anos após seu lançamento.
Há muitas explicações de porque estas caixas soam tão diferentes, mas o que realmente acontece é a “mágica” desta caixa acústica.

Feito Mágica

A magia esta na capacidade de “jogar” o som em 360 graus proporcionando um “espectro” do som em movimento. Quando o som dos falantes em movimento passa por você, acontece um aumento na afiação. Ao mesmo tempo, há um reflexo do som jogado nas paredes que volta para você fazendo com que a afinação diminua. A Leslie cria um amplo efeito formado por um número de freqüências quase infinito proveniente de todas estas mudanças de reflexos que são “jogados” ao redor do ambiente. É uma explicação simples que ilustra muito mais que uma aula técnica de acústica a fim de tentar provar algo que envolve muito mais que um fenômeno físico.
A caixa Leslie é capaz de provocar uma “emoção” adicional a uma performance musical que é captada pelos ouvintes de forma clara, porém emotiva. Muitos ainda não tem idéia de como funciona e nem sabem o que é isso, mas quando escutam um Hammond ligado a uma Leslie se emocionam de uma forma ou de outra.

Don Leslie

O inventor e apreciador de órgãos Don Leslie, trabalhava como engenheiro técnico de rádio em uma das primeiras lojas a vender órgãos Hammond em Los Angeles em 1937. Data em que comprou um dos primeiros Hammonds (modelo A). Ele achou impressionante como soava parecido com o um órgão de tubos (claro que naquela época não existia sampler e etc...), quando escutou pela primeira vez numa demonstração em uma galeria enorme com uma excelente acústica. Ao chegar em casa foi uma decepção, não soava nem a metade. Como não queria gastar muito, acabou não comprando o amplificador da Hammond com a esperança que pudesse construir um.

A Primeira Experiência

A primeira caixa foi um fracasso, era baseada na caixa da Hammond com dois alto-falantes de 12”. Após várias experiências e observações ele notou que a fonte do som de um órgão de tubos se “movia”; os tubos ficam espalhados pela igreja ou auditório e cada nota (tubo acionado) fica em um lugar diferente da sala. Seguindo este conceito ele pretendeu criar a sensação de movimento do som. Várias tentativas, motores, alto-falantes e todo tipo de aparato foram usados até chegar, em 1940, ao primeiro protótipo oficial. Ele não parou por aí e continuou desenvolvendo sua caixa acústica pela Electro Music, que comprara o projeto no final daquele ano.
Don Leslie não consegui imitar o órgão de tubos, mas conseguiu algo completamente diferente e novo.
Após alguns anos ele ficou satisfeito com o que ele fez e achou que a própria Hammond tivesse interesse em produzir suas caixas. Don acabou demonstrando aos representantes que fizeram testes com vários organistas e técnicos da fábrica. Recusaram a proposta e tentaram desencorajaá-lo a vendê-la. O dono da Hammond, Laurens Hammond não gostava e não reconhecia as caixas acústicas de Don como adequadas para seus órgãos. Mas ele continuava a fabricá-las e a vendê-las. Para declarar guerra, Laurens chegou a proibir que as lojas representantes da Hammond vendessem as caixas Leslie.
A Electro Music foi vendida para a CBS Musical Instruments em 1965. A CBS vendeu para a Hammond em 1980 (claro que o Laurens Hammond já havia falecido). Em 1985 a Hammond e a Electro Music foi comprada pela Australian Noel Crabble que vendeu a Hammond para a Suzuki (que formou a Hammond Suzuki) e a Leslie para a Calo Corp. Em 1992 a Hammond Suzuki então comprou os direitos para fabricar a Caixa Leslie, que continuam sendo fabricadas até hoje.

O sistema giratório



É comum ouvir falar que os alto-falantes da Caixa giram. Mas na verdade não são os alto-falantes que giram (principalmente nos modelos mais conhecidos). A rotação é feita através de um elaborado sistema de motores, correias e objetos rotatórios.
Os modelos clássicos e mais famosos são os modelos 122 e 147, formados por um amplificador de 40 watts com divisor de freqüência que separa as freqüências agudas, acima de 800hz, e envia para um driver fixado a um sistema rotatório de corneta dupla. Mesmo com duas cornetas girando o som só sai através de uma, a outra serve apenas para o balanceamento do sistema com o objetivo de evitar vibrações indesejáveis


As freqüências graves são enviadas para um Woofer de 15”que fica virado para baixo em uma prateleira dentro da caixa, como na figura 2, e um sistema cilíndrico com uma fenda é fixado por rolamentos em baixo do woofer com correias e polias ligado aos motores. Estes modelos possuem dois motores para cada sistema de rotação (driver e Woofer), cada motor com uma velocidade diferente: um motor de velocidade lenta para o efeito chamado de coral (chorus) e outro motor com velocidade rápida para o efeito tremolo. Ao todo são quatro motores que funcionam em sincronia. Cada sistema rotatório (driver e woofer) gira em sentido e velocidade diferente.

O Amplificador

O amplificador da Caixa Leslie 122 assim como o amplificador da 147 é constituído por duas válvulas 6550, uma OC3 reguladora de voltagem e duas 12au7 (a 147 tem uma 12au7). Dentro do amplificador é montado o controle de mudança de velocidade (com um relé) que sincroniza os motores e alterna entre as velocidades rápida e lenta (tremolo e coral).
A ligação entre o órgão e a caixa de som também é especial. É necessário um cabo de seis vias e conectores especiais que proporcionam ao mesmo tempo as voltagens para o funcionamento da caixa, a fiação para o controle da velocidade dos motores e o sinal de áudio que sai do órgão.
Sem dúvidas a 122 é a mais famosa porque foi desenhada para o órgão Hammond, especialmente para o modelo B3. A voltagem necessária para que a 122 funcione é adequada à voltagem proporcionada pelo pré-amplificador dos órgãos Hammonds. A 147 foi desenhada para outras marcas de órgãos, mas são idênticas exceto por alguns detalhes eletrônicos.

Uma das diferenças entre estes dois modelos que cosmeticamente são idênticos é a entrada de áudio que na 147 não é balanceada, portanto fica sensível quanto a incidência de ruídos e interferências, o relé também pode proporcionar interferência no áudio fazendo barulho quando muda da velocidade rápida para lenta.
A vantagem é que a 147 pode ser conectada diretamente (com as adaptações necessárias) a quase qualquer modelo de órgão ou instrumento, pois a voltagem usada é comum: 110v ou 220v.

Os modelos

O design das caixas 122 e 147 são iguais. Como na figura 4, ela é dividida basicamente em três partes. No topo ficam as cornetas, no meio o woofer e o divisor de freqüência, e em baixo o cilindro rotatório e o amplificador. Eram revestidas da madeira que combinassem com os modelos de órgão a que elas eram direcionadas. Estes modelos têm em média 73cm de largura 53 de profundidade e aproximadamente 1,20 metros de altura. Estes dois modelos possuíam sua variação quanto ao móvel. Os modelos 222 e 247 eram as versões em móvel de madeira revestido de pano, mais largos e alternativas para serem usados como móvel de decoração.




Diversos modelos de caixa LESLIE.

A Leslie possui uma linha grande de modelos de caixas acústicas que chegam a ser bem diferentes umas das outras. Antes de chegar na 122 e 147 foram fabricados modelos com o design igual, mas amplificador diferente e com apenas um motor de velocidade rápida (parado ou tremolo). É o caso dos modelos 21H e 22H. Ainda antes disso um modelo bem mais alto que o 122 foi construído, a caixa 30 e 31H (figura 5). Outros modelos tinham pequenos alto-falantes fixos junto dos rotatórios e eram direcionados aos órgãos Multichannel, nestes o som do órgão era dividido em vários canais de áudio que eram divididos em diferentes alto-falantes dentro das Leslies multichannel.
Muitas atualizações nos modelos 122 foram criadas e a primeira mudança foi o uso de amplificadores transistorizados, como no modelo 760 e na série desenhada para “pegar estrada” chamada de Pro Line. Esta série era constituída de caixas menores como os modelos 825 e 830 até as maiores como o modelo 900 que era dividida em dois módulos. Toda a série era revestida com material emborrachado muito comum nos amplificadores de hoje, com tela de pano ao invés de aberturas na madeira como no modelo 122 e rodinhas. Durante esta evolução conseguiram criar um sistema em que os falantes giravam literalmente! O sistema chamava-se Rotosonic, o contato do áudio com o alto-falante era feito através de um componente chamado mercotact, à base de mercúrio que transmitia o sinal sem fios que pudessem impedir o movimento rotatório.
Hoje a Hammond Suzuki continua fabricando os Modelos 122 e 147. As diferenças entre os modelos novos e antigos estão na resistência física dos Alto-falantes (principalmente o Driver), nos motores que hoje são apenas dois, um para os graves e outro para os agudos, operando nas duas velocidades através de um sistema eletrônico que substituiu o relé das caixas antigas, e a outra diferença é o material de confecção do cilindro rotatório do woofer. Nas caixas novas é de um tipo mais resistente de isopor e nas antigas é de madeira.

Outras utilidades

Durante a década de 60 outros instrumentistas descobriram a Leslie e começaram a amplificar quase que qualquer coisa através dela. Na guitarra até que tiveram sucesso caso de Eric Clapton e Paul McCartney. Mas já tentaram amplificar de tudo através dela, desde gaita até voz. Mas o que realmente funciona muito bem é o órgão Hammond.

Leslies do passado e do século 21

Alguns conceitos precisam ser esclarecidos. É interessante notar que muitas bandas de rock, jazz e etc. desde a década de 60 têm como integrante sonoro o Hammond e consecutivamente a Leslie na maioria dos casos. O som que se tem em mente é um som distorcido e abafado que muitos acham que é uma característica dos órgãos Hammond. Pois não é. É uma característica da Leslie. E das Leslies em mal estado de conservação! O que para muitos é uma virtude, para outros, principalmente os organistas litúrgicos e clássicos, é um grave defeito. Era muito comum nos grupos de Rock o driver estourar devido ao volume alto e constante em que se tocava (e ainda tocam). Os responsáveis pelas distorções dos Hammonds são em maior parte caixas Leslies com falantes estourados e outros componentes danificados etc... muito mais que a saturação das válvulas. Um Exemplo disso é na música “Born to be Wild” do Stepenwolf que tem um órgão bem pesado e muito difícil de imitar. O organista (provavelmente queimou o driver) ligou o amplificador direto no woofer sem passar pelo divisor de frequência.
Existem diversos simuladores eletrônicos, alguns encontrados no Brasil. A maioria tenta imitar este efeito muito complexo que, dependendo do estilo musical, em casos de shows ao vivo e algumas gravações pode funcionar bem. Isso porque mesmo usando uma caixa Leslie de verdade em shows grandes e em gravações existe a necessidade da captação e amplificação delas através de microfones. Cada músico e técnico de áudio têm uma preferência de como microfonar uma Leslie. É possível obter resultados dos mais diversos, mas todos são diferentes da experiência de escutar uma caixa Leslie pessoalmente ao natural!

Artigo Publicado na revista Áudio, Música e Tecnologia edição 120 em Setembro de 2001

Agradecimentos: Warwick Kerr Jr. Mark Vail e WR / Hammond Brasil.

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